quinta-feira, 23 de abril de 2015

Dádiva divina

Tudo começa com uma simples leitura, talvez um simples recorte ou folha de papel, com as leituras e aprendizado, você vai tomando gosto, vai se encantando com o mundo da escrita, afinal, como pode um simples texto encher nossos olhos de lágrimas, tocar nossos corações, preencher nossa alma, revelar-se enquanto descoberta pelo simples fato de eu ter aprendido e apreendido algo com lições que se faziam presentes ali, tão sublimadas, encantadas, delineadas, uma sensação única de proximidade com a minha realidade, aquela, tão próxima, vivida no dia a dia, no sol a sol, nas noites ensolaradas que se disfarçam por entre a lua e as estrelas cintilantes que, além de brilhar, também encantam os olhos de quem as observa.
Você começa a mudar sua forma de pensar, toma gosto, começa a ver os acontecimentos da vida real como a mais linda encenação divina, sublime que, às vezes, parece eufórica, noutras, triste, uma dramaturgia que encanta, pois assim são as pessoas, nos encantam, nos abandonam, nos deixam, nos seguem, perseguem, fazem, enfim, nossas vidas ter um real sentido, sentido este pelo qual resolvemos continuar vivendo. É um modo de ver único, quase surreal, não porque somos mais ou menos que o outro, mas simplesmente pelo fato que cada um de nós somos únicos, diferentes, armados ou desarmados de forças para continuar vivendo.
Talvez os olhos de quem tanto nos encanta seja a mais forte razão para estarmos aqui, fazendo o que estamos fazendo, seja chorando, sonhando, lutando, nascendo ou até mesmo morrendo, pois esta razão nos fortalece, seja nosso ego, nosso instinto, nossas frustrações, amor próprio e, quando eu falo de morte não estou me referindo somente de corpo, mas também de espírito, é preciso uma razão para continuar lutando, encenando nesse mais lindo palco de teatro que é a própria vida, a vida, razão de lutar, ser, estar.
E quando eu falo que me encantei, também afirmo que me desencantei, é o desencanto da perda, da falta, da dor que, muitas vezes, parecem tornar nossas vidas algo inútil, sem sentido, sem razão para estarmos, simplesmente, aqui. A gente pede ao outro calma e compreensão, mas, muitas vezes, não conseguimos nos manter calmos e compreender nem a nós mesmo. É uma dicotomia, viver, morrer, maltratar, perdoar, ser, estar, sorrir, chorar... essa dicotomia vai tomando conta de meus pensamentos porque eu quero, mas não posso, eu preciso, mas não tenho, eu sei, mas não posso revelar, enfim, somos uma infinita dádiva divina capaz de fazer chorar o mais bravo dos homens. Mas, essa dádiva divina não apenas encanta, ela faz chorar, nos arranca lágrimas e lágrimas, o que só mostra o quanto somos frágeis, sensíveis, imperfeitos, pois este não é, de fato, um defeito, isso nos faz, sim, seres mais que perfeitos, uma perfeição fragmentada, indefinida, com contornos embaraçados, fugidios, assim somos, uma dádiva divina.
Eu queria fugir, sair, enfim, ir..., não sei pra onde, estou aqui, me afeiçoando a palavras incertas, talvez tortas, faço-me poeta, desviando-se de recordações fugidias, mas porque desviar-se de fragmentos se, na verdade, nossas memórias são, de fato, recordações que vem e vão, dia a dia, instante a instante, como diz o nobre poeta que se esforça em, nada mais, descrever suas recordações mortas.  Até mesmo o mais simples acontecimento do dia se transforma em algo simbólico, glorioso, meticuloso, brilhante, ofuscante, embaraçado, escuro, claro...
E o poeta faz-se despercebido, não, são seus olhos, ele está indo ao encontro da luz, um encontro que você talvez jamais tenha vivido, ele está, simplesmente, refletindo, tentando despir palavras, vestir seres imaginários, desnudando experiências únicas, talvez você nunca entenda o olhar de um poeta porque, de fato, não suplicamos compreensão, mas a sua atenção, atenção esta despida em forma de palavras,  não há razão de pedir súplicas, pra quê suplicar, se de palavras ele te encanta e é capaz até mesmo de fazer-te chorar.
Bem aventurados os que conseguem enxergar o que há por trás do discurso de um poeta, pois estes serão consolados, serão induzidos ao mais alto grau do prazer sublime, o prazer que só ele poderá te conceder, dizer, transparecer, um prazer meticuloso, contado só pra você, como um segredo, uma experiência do nosso viver.
Que levante o dedo aquele que não guarda um segredo, é como espiar, bem fundo na alma humana adentrar, e o poeta vai-te contando, você vai escutando, apreensivo, coisas ocultas ele vai revelando, espiando pelo buraco da fechadura, de uma porta secreta, é um trabalho silencioso, ocioso, maduro, imaturo, comum, usual, banal... o poeta despe sua alma em forma de palavras, faz você viajar no universo imaginário, é preciso ler para, enfim, esse universo desbravar porque não há nada melhor que permear o desconhecido, tem perfume, cheiro de incenso, sente? É preciso sentir, saber ouvir.
Por isso, aconchegue-se em seu sofá, abra um livro de histórias, há um mundo todo colorido para desbravar, é preciso viajar. Ah, não precisa fazer suas malas, avante marinheiros, sejamos fortes, persistentes, não sabemos, de fato, qual será o caminho, se haverá terremotos, maremotos, maresias, aconchegue-se em seu sofá e se prepare para velejar, há muito que desvelar.

Boa viagem.
Andréia Franco

Aparecida de Goiânia, 23 de abril de 2015.

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